O tema escolhido ressalta uma das particularidades constantes na formalização de contratos regidos por normas do Direito administrativo
Recentemente fui procurada por uma cliente que assinou um Contrato de Promessa de Compra e Venda com a proprietária de um imóvel usado, para a partir de então, iniciar as tratativas de financiamento do referido imóvel com o Banco. Porém, alguns dias depois foi surpreendida com um fato inesperado: foi demitida, e por essa razão ficou impossibilitada de assumir qualquer compromisso financeiro.
Diante dessa nova situação, e de BOA FÉ, entrou em contato com a proprietária do imóvel, e explicou toda situação, mas esta não aceitou o DISTRATO* e informou-a que iria executar o contrato judicialmente, obrigando-a ao pagamento, sob pena de cobrança de multas, despesas com honorários advocatícios e outras. Tudo isso, com base em algumas das cláusulas contratuais, conforme se verifica a seguir:
DAS CONSIDERAÇÕES, PENALIDADES E RESCISÃO:
Cláusula 4ª- O descumprimento por quaisquer das partes, com quaisquer obrigações ora assumidas, facultará a PARTE INOCENTE o direito de pleitear a execução do presente contrato independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial, cabendo à parte inadimplente além das demais cominações, o PAGAMENTO DE MULTA RESCISÓRIA de 10% (dez por cento) do valor total da venda, a título ressarcimento de perdas e danos resultantes, custas judiciais, honorários de corretagens e honorários advocatícios na forma da lei.
DISPOSIÇÕES GERAIS:
Cláusula 6ª – O presente ato é firmado em caráter irretratável e irrevogável e obriga a partes por si, seus herdeiros, ou sucessores fazerem a mesma sempre firme, boa e valiosa, cabendo ainda aos Corretores Responsáveis nesta intermediação o acompanhamento e assessoria até seu desfecho final.
Vale ressaltar que muito embora os contratos sejam considerados como lei entre as partes, algumas cláusulas podem ser consideradas como sendo exorbitantes ou excessivas, podendo ser atacadas pela legislação vigente.
Vale referir que no caso em análise, a adquirente pagou um o valor em dinheiro, como forma de adiantamento da comissão do corretor, que deveria ter prestado o acompanhamento e assessoria até o desfecho daquele negócio, nos termos do artigo 6º daquele contrato. Entretanto, aquele profissional, ao saber da impossibilidade da realização do financiamento e efetivação da compra do imóvel, não mais atendeu as ligações da compradora.
As referidas Cláusulas 4ª e 6ª do Contrato citado são consideradas abusivas e afrontam a legislação vigente, vez que esse tipo de negócio jurídico deve se submeter às determinações do Código Civil Brasileiro, bem como do Código de Defesa do Consumidor, as quais estabelecem diversas proteções ao adquirente de bens e serviços, dentre as tais, destacam-se:
1. A POSSIBILIDADE DE REALIZAR O DISTRATO POR RESOLUÇÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA-
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 472 a 480, estabelecem a possibilidade de haver o Distrato Unilateral, se caso por fator imprevisto e extraordinário, a parte comprovar que não mais reúne as condições de manter o negócio, e o DESEMPREGO, é um desses casos, como se verifica a seguir:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. (grifo nosso)
2- DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Trata-se de um conceito ético de conduta, moldado nas ideias de proceder com correção e dignidade, fundamentada nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar, ou seja, toda relação jurídica precisa estar ancorada nesse princípio, conforme assevera o artigo 422 do Código Civil: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
3- DO PAGAMENTO INDEVIDO
Nesse caso, ficou evidente que, se houve algum prejuízo a alguma das partes, esse fora sofrido pela compradora do imóvel, uma vez que realizou um pagamento adiantado ao corretor, pois tal ônus seria pago quando o banco financiasse o valor pleiteado, o que não se efetivou. Ademais, o corretor faltou com seu compromisso de acompanhar o desfecho do negócio, caracterizando-se o Pagamento Indevido previsto no Código Civil:
Art. 876: Pagamento indevido
“Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”.
Conclusão
Embora os contratos sejam considerados lei entre as partes, ao se deparar com cláusulas abusivas, excessivas ou exorbitantes, elas deverão ser combatidas, por meio das inúmeras proteções jurídicas previstas na legislação.
Considerando-se que as cláusulas abusivas têm se tornado cada vez mais recorrentes nos contratos, aconselha-se buscar orientação jurídica de um profissional qualificado para identificá-las e combatê-las.
Essa coluna não pretende esgotar essa matéria, mas se propõe a informar de forma objetiva e numa linguagem acessível acerca dos temas jurídicos relevantes para a sociedade.