Quais serão os impactos da Lei 13.786/2018
O cenário político brasileiro nos últimos anos causou um esfriamento econômico de grandes proporções, gerando inúmeras consequências, tais como o desemprego, vindo a refletir em diferentes âmbitos, um deles se refere ao sonho da casa própria, que por falta de condições, muitas famílias passaram a conviver com um pesadelo: a necessidade de rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, conhecido como distrato.
A esse respeito, tenho recebido reclamações de pessoas de diferentes faixas socioeconômicas que estão enfrentando esse problema. Uma delas informou que a construtora reteve, no distrato, cerca de 80 % (oitenta por cento) de tudo que pagou. Outra pessoa contou que, após realizar o distrato permanece aguardando a devolução do seu dinheiro há cerca de um ano!
Por essas situações abusivas, se faz necessário conhecer qual tem sido o entendimento jurisprudencial aplicado na atualidade, ou seja, quais são as decisões reiteradas dos Tribunais Superiores acerca dessa matéria, a exemplo da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma, tal como se verifica na íntegra:
“Súmula nº 543 do STJ – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento” (grifei).
De acordo com a referida Súmula, há duas situações que precisam ser diferenciadas: a)se o distrato ocorreu por iniciativa do comprador, ou b)se ocorreu por motivo causado pela construtora ou incorporadora, como o atraso da entrega do imóvel por exemplo.
No primeiro caso, se a rescisão do contrato de compra e venda (distrato) ocorrer por culpa exclusiva do comprador (tal como impossibilidade de financiamento pelas instituições financeiras; arrependimento na compra, ou dificuldade de honrar o pagamento das parcelas e outros), a construtora ou incorporadora poderá reter apenas uma parte do valor pago para cobrir as despesas administrativas.
Cumpre esclarecer que a legislação que fundamentou as atuais decisões reiteradas dos Tribunais Superiores, não definiu o percentual desse desconto a ser retido pelas construtoras/incorporadoras, desta forma, as citadas decisões convencionaram o percentual de 10 a 20 % (dez a vinte por cento) do valor efetivamente pago pelo comprador e passou-se a considerar como abusiva a cláusula contratual que previa retenção maior do que esses percentuais. Tal entendimento se baseia, por exemplo, na previsão da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS. PROPORCIONALIDADE. CC, ART. 924. I – A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça está hoje pacificada no sentido de que, em caso de extinção de contrato de promessa de compra e venda, inclusive por inadimplência justificada do devedor, o contrato pode prever a perda de parte das prestações pagas, a título de indenização da promitente vendedora com as despesas decorrentes do próprio negócio, tendo sido estipulado, para a maioria dos casos, o quantitativo de 10% (dez por cento) das prestações pagas como sendo o percentual adequado para esse fim. II – E tranquilo, também, o entendimento no sentido de que, se o contrato estipula quantia maior, cabe ao juiz, no uso do permissivo do art. 924 do Código Civil, fazer a necessária adequação” (STJ; AgRg no REsp 244.625/SP; relator ministro Antônio de Pádua Ribeiro; julgado em 9/9/2001 — grifei).
Já no segundo caso, se o distrato ocorrer por culpa exclusiva da construtora ou incorporadora (a exemplo do atraso no prazo de conclusão da obra e entrega após 180 dias do prazo acordado; ou por problemas estruturais apresentados no imóvel e outros), deve-se garantir a restituição de todo o valor pago pelo comprador, de uma só vez, com juros e correção monetária. Ademais, no caso específico de atraso na entrega do imóvel, é possível pedir indenização por danos morais e materiais, cumpridos os requisitos legais.
Entretanto, no final do 2018 o ex-presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.786, de 27 de dezembro de 2018, que disciplina a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano, regulamentando esse chamado “distrato imobiliário”. Segundo essa norma, quando o adquirente desistir da compra do imóvel, a incorporadora poderá reter cerca de 50% do valor total pago na compra do bem. Ademais, a referida Lei também fragilizou a possibilidade de indenizar o comprador que sofreu o atraso da entrega da obra por parte da construtora.
Todavia, nesse caso, os tribunais ainda deverão modular os efeitos do novo entendimento trazido por essa citada lei, que notadamente não trouxe benefícios para o comprador/consumidor, mas sim revelou uma proteção aos interesses dos grandes empreiteiros.
Portanto, quem possui casos como esses a resolver, deveria agir antes da mutação jurisprudencial, tal como diz o brocardo: “O direito não protege os que dormem”.